Autor: Carolina Andrade, Sandra Ribeiro
Última atualização: 2020/11/16
Palavras-chave: vegetarianismo; lactente vegetariano; diversificação alimentar; défices nutricionais
Índice
ResumoA adoção de um padrão alimentar vegetariano tem vindo a aumentar na Europa, associado a questões de saúde, religiosas, éticas ou ambientais, não só entre a população adulta, mas também entre crianças, adolescentes e cada vez mais em lactentes. |
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O vegetarianismo é um regime alimentar baseado no consumo de alimentos de origem vegetal, que exclui carne e peixe e que pode, ou não, incluir derivados de origem animal. De uma forma geral o vegetarianismo, comparativamente a uma alimentação omnívora, saudável e equilibrada, está associado a um menor consumo energético, em proteína (aminoácidos essenciais), ácidos gordos polinsaturados da série ómega-3, gordura saturada, algumas vitaminas e minerais e a um maior consumo de hidratos de carbono, fibra, ácidos gordos polinsaturados da série ómega-6, carotenóides, ácido fólico, vitaminas C e E e magnésio.
A opção por uma alimentação vegetariana tem características próprias e riscos que importa conhecer para prevenir.
As associações americanas e europeias de pediatria e gastroenterologia são claras na possibilidade de realização de uma dieta vegetariana durante o primeiro ano de vida, contudo há aspetos que têm de ser tidos em conta:
De acordo com as mais recentes recomendações da ESPGHAN, a partir do momento em que se inicia a diversificação alimentar podem ser introduzidos todos os alimentos. A sua introdução faseada é uma atitude prudente, que permite avaliar a tolerância a cada alimento, propondo-se que os novos alimentos podem ser introduzidos a cada 3-5 dias.
A regra nesta fase é manter o aleitamento materno em exclusivo:
Embora estas fórmulas infantis cursem com um crescimento sobreponível ao dos bebés alimentados com leite adaptado standard (com proteína do leite de vaca), é importante referir que se desconhecem as repercussões a médio-longo prazo da sua utilização. As fórmulas com proteína de soja podem conter fitatos, alumínio e fitoestrogénios e as de arroz podem ter contaminação com arsénio, não havendo consenso no que diz respeito à segurança da sua utilização.
A partir dos 6 meses de idade, o leite materno em exclusivo torna-se insuficiente para suprir as necessidades nutricionais do bebé e, por isso, entre o 5º e o 6º mês de vida, inicia-se a introdução progressiva de outros alimentos.
De forma a promover o treino precoce do paladar e texturas, os primeiros alimentos a serem introduzidos na diversificação alimentar podem ser os hortícolas (preparados em creme) ou a papa de cereais.
Escolher grupos de 4-5 legumes para uma sopa, entre os quais, o xuxu, a courgette, a couve branca, os brócolos, a alface, o alho francês, a cebola e a cenoura, além da batata/batata-doce. Deve ser introduzido um novo legume a cada 3-5 dias.
Em cada dose, pode ser adicionada uma colher de chá de azeite cru (5-7 mL).
Hortícolas como o espinafre, o nabo, a nabiça, a beterraba e o aipo, devido ao elevado teor de fitatos e nitratos, devem ser introduzidos com muita prudência antes dos 12 meses.
Podem ser introduzidas papas com glúten a partir dos 4 meses, incluindo farinhas com mistura de cereais, em pequenas quantidades nas primeiras semanas e aumentando progressivamente:
A fruta constitui uma sobremesa e não substitui uma refeição. Pode começar pela maçã, pera e banana (cruas ou cozidas, maduras, bem lavadas, descascadas e trituradas).
Qualquer fruto pode ser introduzido pelos 6-7 meses, incluindo o kiwi, morango e maracujá. No entanto, é importante estar atento ao aparecimento de intolerâncias ou alergias, devido à imaturidade do intestino. Se acontecer, retira-se o fruto e tenta-se reintroduzir novamente mais tarde.
O alimentos ricos em vitamina C, como os citrinos, podem ser associados a alimentos ricos em ferro para aumentar a sua absorção.
As fontes proteicas são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento dos lactentes. Em alternativa à carne e ao peixe, pode ser introduzido o tofu fresco e natural a juntar ao creme de legumes (o tofu embalado é um alimento processado). A dose máxima não deve ultrapassar os 30 g/dia (numa única refeição ou repartido pelo almoço e jantar).
Entre os 7 e os 8 meses, o tofu pode ser adicionado à farinha de pau, açorda, quinoa, millet, bulgur, entre outros cereais, sempre muito bem cozidos.
As leguminosas (lentilhas sem casca, o feijão azuki, o feijão-frade, branco ou preto) são fontes de proteína vegetal e de hidratos de carbono complexos.
Deve-se optar pelas leguminosas de mais fácil digestão, devendo ser previamente bem demolhadas, oferecidas sem casca, e em pequenas doses, por exemplo, sob a forma de puré.
O iogurte ou o preparado fermentado de soja nos vegetarianos estritos, poderão ser introduzidos como alternativa ao leite materno ou adaptado ou à papa, num lanche.
Pode-se optar por um iogurte ou preparado fermentado de soja natural (designado yofu), sem aromas nem aditivos de nata ou açúcar.
A gema de ovo pode ser introduzida, de forma lenta e gradual, na sopa ou no prato principal, em substituição das fontes proteicas vegetais, até um máximo de 3-4 gemas por semana.
Os frutos oleaginosos (noz, amêndoa, avelã, caju, pinhão, pistáchio), o amendoim, o coco e as sementes (abóbora, girassol, linhaça e chia) podem ser introduzidos a partir dos 9 meses, independentemente da existência de história familiar de alergias, desde que bem triturados.
A clara do ovo pode ser iniciada a partir dos 9 meses de idade, independentemente da existência de história familiar de alergias.
Não existem estudos de segurança nutricional que suportem a introdução das algas na alimentação do lactente.
Pelo seu elevado teor proteico, as algas podem ser introduzidas em pequenas quantidades a partir do 9º mês, como complemento da sopa e até um máximo de 3-4 vezes por semana.
Devem ser oferecidas as de menor teor de sódio (nori, wakame, arame) não sendo recomendado o consumo da alga hijiki na infância.
Importa ainda referir que, embora as algas spirulina ou chlorella sejam referenciadas como fontes de vitamina B12, estas contêm cianocobalamina, um análogo inativo desta vitamina, sem qualquer função biológica.
A introdução na dieta familiar deve ser iniciada pelos 12 meses, com opção por produtos frescos, e refeições frequentes, em intervalos máximos de 3 horas.
É uma altura muito importante na integração social das crianças. Para que todos possam comer na mesma mesa, é fundamental que todos optem por uma alimentação saudável e equilibrada, com baixo teor de sal e de gorduras saturadas.
A partir dos 12 meses, pode ser introduzido o tempeh, produzido através da fermentação dos grãos de soja, e o seitan, produzido a partir do glúten do trigo, como fontes de proteína vegetal em substituição de carne. Ambos podem ser cozidos com legumes, não sendo recomendada a adição de molho de soja.
Alimentar uma criança no primeiro ano de vida é muito mais do que fornecer nutrientes para que ela cresça. É um forte potenciador de saúde no momento e no futuro.
A alimentação deve ser diversificada e saudável e por essa razão a decisão de optar pelo vegetarianismo deve ser ponderada e adotada de forma adequada e com máxima segurança.